domingo, 3 de abril de 2011

3 de Abril, Camões em Diálogo com António Gedeão

António Gedeão escreveu o «Poema da Auto-estrada», glosando com a cantiga camoniana, intitulada «Descalça vai para a fonte», para homenagear Camões, o Príncipe dos Poetas Lusos.
Caros colegas, deliciem-se com os poemas, comparando-os! Depois falamos!






Poema da Auto-estrada

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno,
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

António Gedeão, in 'Máquina de Fogo'

Descalça vai para a fonte

Descalça vai para a fonte
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamelote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura.
vai fermosa, e não segura.

Descobre a touca a garganta,
cabelos d' ouro o  trançado,
fita de cor d' encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta,
que dá graça à fermosura.
vai fermosa, e não segura.

                  Luís de Camões

Sem comentários:

Enviar um comentário