quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

À conversa com Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões é, por excelência, o poeta português que mais amou a sua pátria e amou a poesia até às últimas consequências. Vamos tentar conhecê-lo melhor, através da nossa Entrevista Histórica.
O meu nome é Florzinhas e o meu amigo chama-se Pneus. Encontrámos o nosso ilustre Poeta no poema "Gruta de Camões" de Sophia de Mello Breyner Andresen, porque o lemos na Semana da Leitura da nossa escola e dialogámos um pouco. Vamos então passar à entrevista.



Florzinhas:
Saudações poéticas, ilustre Camões!Como tem passado por estas gerações todas?



Camões:
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.



É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.



Estando em terra, chego ao Céu voando;
Nuã hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uã hora.



Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.




Pneus:
Em que dia veio ao mundo, ilustre Camões?




Camões:
Nasci em Lisboa ou em Coimbra, em 1524 ou 1525, já não me lembro bem. Foi o meu Tio que me disse!




Florzinhas:
Já há valentes anos, já muita coisa mudou e muitas novidades surgiram!




Camões:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.



Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.



O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.



E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.




Pneus:
É um poema muito pensado e atemporal! Mas diga-me, é filho de?




Camões:
O meu Pai será sempre Simão Vaz de Camões e minha Mãe Ana de Sá.




Florzinhas:
Onde começou a estudar e quando começou a escrever?




Camões:
Numa das melhores, senão a melhor universidade do país, a Universidade de Coimbra, pelos anos 1531 a 1541, onde o meu Tio  era Chanceler e me auxiliava muito nos estudos. Fui para Lisboa, antes de acabar o curso, porque queria conhecer Lisboa. Sabe, desde muito novo, tenho uma ambição, que é conhecer bem a história do meu povo, a história do meu país. Gosto imenso da História de Portugal, que, aliás me valeu para escrever Os Lusíadas, o meu livro por excelência. Conhecem?



Pneus e Florzinhas:
«As armas e os barões assinalados
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.»



Camões:
Estou muito comovido!



Florzinhas:
A sua obra é uma honra para o nosso povo! Mas diga-nos! Lá, em Coimbra, há grandes amores!?



Camões:
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.



Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.



Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.



De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!




Pneus:
E a Leonor?



Camões:
Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.



Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.



Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.
Florzinhas:
O amor é um dos principais temas da sua obra!



Camões:
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.


Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.


Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.


Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.



Pneus:
Que beleza!Quem diria que as palavras assim tão certinhas podiam dizer tanto!
Conte-nos mais sobre a sua vida!



Camões:
Conheci D.Catarina de Ataíde e com ela queria casar, mas devido à minha condição e à condição dela, tive de me afastar. Então resolvi dedicar-lhe muitos poemas, por vós há muito consagrados.Presta atenção a este!
 
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.


Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.


Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.



Florzinhas:
Foi para Ceuta!



Camões:
Depois alistei-me como soldado e parti para Ceuta em 1547, onde perdi um olho, a lutar em favor de D.João III.  Três anos passados e voltei a Portugual. Envolvi-me num duelo com o Gonçalo Borges e estive preso um ano e foi durante esse tempo que iniciei o primeiro canto da minha grande obra!



Pneus:
E como saiu da jaula?



Camões:
Ganhei a minha liberdade com a promessa de embarcar para a Índia e fui parar a Goa em 1553.
Escuta este:
 
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.


Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.


Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;


Que eu só em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.


Florzinhas e Pneus:
E depois? E depois?



Camões:
Aí conheci gente de todos os feitios e cores! Foi na viagem de regresso, que o barco em que eu navegava se afundou, no rio Mekong e eu nadei só com um braço até à costa, porque com o outro amarrava a minha grande obra!



Florzinhas:
Mas e depois!? 



Camões:
Depois foi a grande travessia do Atlântico e, finalmente, a chegada a Lisboa em 1569. A seguir tratei da publicação d'Os Lusíadas, cuja primeira edição data de 1572!



Pneus:
Então, teve certamente um grande lucro com a venda dos livros?



Camões:
Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.



Pneus:
Pelo menos durante algum tempo!



Camões:
Rapidamente passei a viver na miséria! Se não fosse o Jau, nem sopa comia! Oiçam este poema e compreendam!
 
O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.


A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.


As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.


Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!



Florzinhas:
Foi cruel! Mas, actualmente, o dia 10 de Junho é Dia de Portugal e de Camões! E é feriado e tudo! Lamentamos, em nome de todos, que, durante a sua vida não lhe tenham prestado o apoio necessário, nem o tenham distinguido como merecia! Mas uma coisa é certa, o seu pensamento era demasiado forte e lúcido, para que fosse compreendido, pelos homens do seu tempo.


Camões:

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;
O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.
O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.
Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.



Florzinhas e Pneus:
Estamos muito gratos por esta breve entrevista histórica. Ficou muito por dizer, mas a ideia é provocar o desejo de saber nos nossos colegas. É com elevada estima que terminamos, saudações épicas, à memória de Luís Vaz de Camões.