Luís Vaz de Camões é, por excelência, o poeta português que mais amou a sua pátria e amou a poesia até às últimas consequências. Vamos tentar conhecê-lo melhor, através da nossa Entrevista Histórica.
O meu nome é Florzinhas e o meu amigo chama-se Pneus. Encontrámos o nosso ilustre Poeta no poema "Gruta de Camões" de Sophia de Mello Breyner Andresen, porque o lemos na Semana da Leitura da nossa escola e dialogámos um pouco. Vamos então passar à entrevista.
Florzinhas:
Saudações poéticas, ilustre Camões!Como tem passado por estas gerações todas?
Camões:
Tanto de meu estado me acho incerto,Que em vivo ardor tremendo estou de frio;Sem causa, juntamente choro e rio;O mundo todo abarco e nada aperto.É tudo quanto sinto um desconcerto;Da alma um fogo me sai, da vista um rio;Agora espero, agora desconfio,Agora desvario, agora acerto.Estando em terra, chego ao Céu voando;Nuã hora acho mil anos, e é de jeitoQue em mil anos não posso achar uã hora.Se me pergunta alguém porque assim ando,Respondo que não sei; porém suspeitoQue só porque vos vi, minha Senhora.Pneus:
Em que dia veio ao mundo, ilustre Camões?
Camões:
Nasci em Lisboa ou em Coimbra, em 1524 ou 1525, já não me lembro bem. Foi o meu Tio que me disse!
Florzinhas:
Já há valentes anos, já muita coisa mudou e muitas novidades surgiram!
Camões:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;Todo o mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades.Continuamente vemos novidades,Diferentes em tudo da esperança;Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem, se algum houve, as saudades.O tempo cobre o chão de verde manto,Que já coberto foi de neve fria,E em mim converte em choro o doce canto.E, afora este mudar-se cada dia,Outra mudança faz de mor espanto:Que não se muda já como soía.Pneus:
É um poema muito pensado e atemporal! Mas diga-me, é filho de?
Camões:
O meu Pai será sempre Simão Vaz de Camões e minha Mãe Ana de Sá.
Florzinhas:
Onde começou a estudar e quando começou a escrever?
Camões:
Numa das melhores, senão a melhor universidade do país, a Universidade de Coimbra, pelos anos 1531 a 1541, onde o meu Tio era Chanceler e me auxiliava muito nos estudos. Fui para Lisboa, antes de acabar o curso, porque queria conhecer Lisboa. Sabe, desde muito novo, tenho uma ambição, que é conhecer bem a história do meu povo, a história do meu país. Gosto imenso da História de Portugal, que, aliás me valeu para escrever Os Lusíadas, o meu livro por excelência. Conhecem?
Pneus e Florzinhas:
«As armas e os barões assinalados
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.»
Camões:
Estou muito comovido!
Estou muito comovido!
Florzinhas:
A sua obra é uma honra para o nosso povo! Mas diga-nos! Lá, em Coimbra, há grandes amores!?
A sua obra é uma honra para o nosso povo! Mas diga-nos! Lá, em Coimbra, há grandes amores!?
Camões:
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;Os erros e a fortuna sobejaram,Que pera mim bastava amor somente.Tudo passei; mas tenho tão presenteA grande dor das cousas que passaram,Que as magoadas iras me ensinaramA não querer já nunca ser contente.Errei todo o discurso de meus anos;Dei causa [a] que a Fortuna castigasseAs minhas mal fundadas esperanças.De amor não vi senão breves enganos.Oh! quem tanto pudesse, que fartasseEste meu duro Génio de vinganças!Pneus:
E a Leonor?
Camões:
Descalça vai para a fonteLianor pela verdura;Vai fermosa, e não segura.Leva na cabeça o pote,O testo nas mãos de prata,Cinta de fina escarlata,Sainho de chamelote;Traz a vasquinha de cote,Mais branca que a neve pura.Vai fermosa e não segura.Descobre a touca a garganta,Cabelos de ouro entrançadoFita de cor de encarnado,Tão linda que o mundo espanta.Chove nela graça tanta,Que dá graça à fermosura.Vai fermosa e não segura.Florzinhas:O amor é um dos principais temas da sua obra!Camões:
Eu cantarei de amor tão docemente,Por uns termos em si tão concertados,Que dois mil acidentes namoradosFaça sentir ao peito que não sente.Farei que amor a todos avivente,Pintando mil segredos delicados,Brandas iras, suspiros magoados,Temerosa ousadia e pena ausente.Também, Senhora, do desprezo honestoDe vossa vista branda e rigorosa,Contentar-me-ei dizendo a menor parte.Porém, pera cantar de vosso gestoA composição alta e milagrosaAqui falta saber, engenho e arte.Pneus:
Que beleza!Quem diria que as palavras assim tão certinhas podiam dizer tanto!
Conte-nos mais sobre a sua vida!
Camões:
Conheci D.Catarina de Ataíde e com ela queria casar, mas devido à minha condição e à condição dela, tive de me afastar. Então resolvi dedicar-lhe muitos poemas, por vós há muito consagrados.Presta atenção a este!
Verdes são os campos,De cor de limão:Assim são os olhosDo meu coração.Campo, que te estendesCom verdura bela;Ovelhas, que nelaVosso pasto tendes,De ervas vos mantendesQue traz o Verão,E eu das lembrançasDo meu coração.Gados que pasceisCom contentamento,Vosso mantimentoNão no entendereis;Isso que comeisNão são ervas, não:São graças dos olhosDo meu coração.Florzinhas:
Foi para Ceuta!
Camões:
Depois alistei-me como soldado e parti para Ceuta em 1547, onde perdi um olho, a lutar em favor de D.João III. Três anos passados e voltei a Portugual. Envolvi-me num duelo com o Gonçalo Borges e estive preso um ano e foi durante esse tempo que iniciei o primeiro canto da minha grande obra!
Pneus:
E como saiu da jaula?
Camões:
Ganhei a minha liberdade com a promessa de embarcar para a Índia e fui parar a Goa em 1553.
Escuta este:
Julga-me a gente toda por perdido,Vendo-me tão entregue a meu cuidado,Andar sempre dos homens apartadoE dos tratos humanos esquecido.Mas eu, que tenho o mundo conhecido,E quase que sobre ele ando dobrado,Tenho por baixo, rústico, enganadoQuem não é com meu mal engrandecido.Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,Busque riquezas, honras a outra gente,Vencendo ferro, fogo, frio e calma;Que eu só em humilde estado me contentoDe trazer esculpido eternamenteVosso fermoso gesto dentro na alma.Florzinhas e Pneus:
E depois? E depois?
Camões:
Aí conheci gente de todos os feitios e cores! Foi na viagem de regresso, que o barco em que eu navegava se afundou, no rio Mekong e eu nadei só com um braço até à costa, porque com o outro amarrava a minha grande obra!
Florzinhas:
Mas e depois!?
Camões:
Depois foi a grande travessia do Atlântico e, finalmente, a chegada a Lisboa em 1569. A seguir tratei da publicação d'Os Lusíadas, cuja primeira edição data de 1572!
Pneus:
Então, teve certamente um grande lucro com a venda dos livros?
Camões:
Os bons vi sempre passarNo Mundo graves tormentos;E pera mais me espantar,Os maus vi sempre nadarEm mar de contentamentos.Cuidando alcançar assimO bem tão mal ordenado,Fui mau, mas fui castigado.Assim que, só pera mim,Anda o Mundo concertado.Pneus:
Pelo menos durante algum tempo!
Camões:
Rapidamente passei a viver na miséria! Se não fosse o Jau, nem sopa comia! Oiçam este poema e compreendam!
O dia em que nasci moura e pereça,Não o queira jamais o tempo dar;Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,Eclipse nesse passo o Sol padeça.A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,Mostre o Mundo sinais de se acabar,Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,A mãe ao próprio filho não conheça.As pessoas pasmadas, de ignorantes,As lágrimas no rosto, a cor perdida,Cuidem que o mundo já se destruiu.Ó gente temerosa, não te espantes,Que este dia deitou ao Mundo a vidaMais desgraçada que jamais se viu!Florzinhas:
Foi cruel! Mas, actualmente, o dia 10 de Junho é Dia de Portugal e de Camões! E é feriado e tudo! Lamentamos, em nome de todos, que, durante a sua vida não lhe tenham prestado o apoio necessário, nem o tenham distinguido como merecia! Mas uma coisa é certa, o seu pensamento era demasiado forte e lúcido, para que fosse compreendido, pelos homens do seu tempo.
Camões:
O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;O tempo acaba a fama e a riqueza,O tempo o mesmo tempo de si chora;O tempo busca e acaba o onde moraQualquer ingratidão, qualquer dureza;Mas não pode acabar minha tristeza,Enquanto não quiserdes vós, Senhora.O tempo o claro dia torna escuroE o mais ledo prazer em choro triste;O tempo, a tempestade em grão bonança.Mas de abrandar o tempo estou seguroO peito de diamante, onde consisteA pena e o prazer desta esperança.Florzinhas e Pneus:
Estamos muito gratos por esta breve entrevista histórica. Ficou muito por dizer, mas a ideia é provocar o desejo de saber nos nossos colegas. É com elevada estima que terminamos, saudações épicas, à memória de Luís Vaz de Camões.